Revista Exame
Máquinas minúsculas, com 1 milésimo da espessura de um fio de cabelo, prometem revolucionar a ciência e o mundo dos negócios.
Imagine algo tão microscópico quanto a espessura de um fio de cabelo. Agora divida em 1 000 pedacinhos. Pois esse é o tamanho de máquinas que movimentarão anualmente 1 trilhão de dólares até 2015, de acordo com o governo americano. Essas máquinas -- tão diminutas que num dedo polegar cabem milhões delas -- têm feito brilhar os olhos de cientistas e investidores. Elas pertencem a um novo universo de negócios: o da nanotecnologia. "Nanotecnologia é a movimentação, manipulação e modelagem precisas de matéria na escala abaixo de 100 nanômetros (1 nanômetro tem 1 bilionésimo de 1 metro)", diz Josh Wolfe, sócio-fundador da Lux Capital, empresa americana de investimentos nesse emergente setor.
Essa escala nanométrica vai de uns 4 a 400 átomos. É, acredite, de máquinas desse tamanho que se trata. Apesar de os gregos antigos já terem falado nessa possibilidade há 2 400 anos -- o prefixo nano, por sinal, vem da palavra grega para "anão", só nas últimas décadas do século 20 a tecnologia permitiu enxergar e manipular essas partículas elementares. Especialistas prevêem que em dez anos toda a indústria de semicondutores e metade da indústria de remédios dependerão da nanotecnologia para sobreviver.
Boa parte do que se investe na área ainda sai dos cofres públicos. Os gastos em pesquisa e desenvolvimento no mundo saltaram de 432 milhões de dólares em 1997 para 3 bilhões em 2003. Só o governo americano investiu perto de 800 milhões de dólares em 2003 e comprometeu-se a investir outros 3,7 bilhões nos próximos quatro anos. O prefixo nano tem esquentado as conversas nas rodas de capital de risco tanto quanto o sufixo ponto-com algum tempo atrás. Empresas com nomes como Nanosys ou Nanofilm levam alguns a especular que vem aí a "nanobolha". Mas o dinheiro em jogo está muito aquém dos bilhões da era de ouro da internet. A Nanosys, por exemplo, levantou pouco mais de 30 milhões de dólares em capital de risco e só pretende lançar produtos em 2006. Já a Nanofilm considera um sucesso se faturar 50 milhões em cinco anos.
No Brasil, é claro, as cifras são ainda mais modestas. O Ministério da Ciência e Tecnologia prevê para este ano investimentos de cerca de 9 milhões de reais na área. E já há alguns casos de sucesso. A Embrapa, em São Carlos, no interior de São Paulo, criou uma "língua eletrônica", um dispositivo dotado de uma película de espessura nanométrica capaz de degustar líquidos como vinhos e cafés melhor que seres humanos. Outro exemplo vem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Lá, químicos desenvolveram produtos nanométricos capazes de reduzir a concentração de substâncias cancerígenas de solventes usados na indústria alimentícia. A maioria das invenções nanotecnológicas ainda não saiu dos laboratórios. Mas esse processo deverá se acelerar. O primeiro impacto será sentido em áreas que evoluem com rapidez, como a tecnologia da informação. A indústria de semicondutores precisa espremer cada vez mais componentes em áreas reduzidas. A IBM, por exemplo, criou o Millipede (veja ilustração), dispositivo de memória com minúsculas agulhas, cujas pontas medem 30 nanômetros, que fazem furos numa placa de plástico para armazenar bits. A tecnologia pode guardar, na mesma área, 40 vezes mais dados que os discos rígidos comuns. Outro campo promissor é a biotecnologia. A Nanocore, de Ribeirão Preto, em São Paulo, vem testando em bovinos vacinas contra a tuberculose com filamentos de DNA envolvidos em nanocápsulas. A vacina só atua quando atinge o alvo no organismo. "A nanocápsula protege o DNA, que, do contrário, se deterioraria", diz José Maciel Rodrigues Júnior, diretor da Nanocore. "Essa tecnologia tem potencial também para vacinas contra o câncer." Há inclusive promessas delirantes de diminutos robôs que, injetados no corpo do paciente, nadem na corrente sanguínea à procura de cânceres para exterminar. A nanotecnologia pode até chegar um dia a esse patamar. Mas, hoje, isso ainda está além do que os olhos dos cientistas podem enxergar.
Fonte:
Cabem milhões no polegar - Mikhail Lopes
Revista Exame: Tecnologia. Publicado em 25 de março e 2004.
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